2008/02/25

Saindo da gruta

Cova, lapa, furna. O que lhe queiram chamar. Para mim é somente um sítio escuro onde a gente se refugia sempre que precisa de momentos de maior intimidade. Ela também tem uma gruta só para ela. Visita-a mais vezes do que eu. Parece constantemente aluada, olha de uma forma evasiva, prolonga o olhar no vácuo por escassos segundos que acabam sempre com um gosto interminável. É bonita. Tem um sorriso parvo e olhar meigo. Não veste roupas parvas nem pinta a cara. É de um vulgar encantador. Tem um brilho característico, uma reflexo distinto da alma. Tem estatura mediana e o corpo revestido por uma matiz de claro castanho. Os cabelos brilham com uma intensidade alegre. Não sei se o tratamento tem origem em herbal essences mas o efeito é igualmente inebriante. A voz embebeda o mais rígido pensar. O mais básico cálculo mental torna-se num desafio hercúleo. Na sua presença o sistema nervoso é alvo de mini ataques, parece ser bombardeado por pequenos rebentamentos nucleares no centro de cada uma das células que o definem. Robustez, valentia, transformam-se a uma velocidade gelatinosa num tremendo feixe de nada. É extremamente irritante. Ao tentar expulsar o marasmo que o habita, refugiando-se nos seus mais secretos mundos, dá por si abrindo as portas cardíacas. No meio do pânico que se apoderou de todo o seu mecanismo humano ele sorri. De uma forma aparvalhadamente denunciada. Ela fita-o com olhos atentos, as sobrancelhas reflectem a certeza de que algo se passa. Rastreia as mãos trémulas e sorri. Finge-se despercebida, diverte-se com a vulnerabilidade declarada. O suor fino que rasteja sobre a pela nervosa denuncia o seu olhar atrapalhado. Farto do silêncio ensurdecedor que cada vez mais o amarrava a si mesmo ele lá acaba por proferir as primeiras palavras. Apesar do pensamento trémulo a voz fluiu com uma serenidade contraditória.
-Pões-me nervoso. Sinto-me como que se estivesse prestes a fazer um exame à próstata.
Ela ri-se, fita as suas mãos, já mais calmas dizendo
-Bem desde que me vejas como uma médica simpática, não vejo problema nenhum. Já agora, tens mesmo de imaginar um exame à próstata!?
Ele sorri, sente-se parvo.
-Pois, agora que já conheces as minhas fantasias sexuais já podemos ser verdadeiros amigos...
Ela dá uma gargalhada e olha-o de uma maneira extremamente divertida. A resposta que lhe dera tinha tanto de cómica como de evasiva.
-Confessa lá estás nervoso por minha causa!
-Não, achas? Só estou assim porque hoje é o meu primeiro dia nas aulas de ballet.
-Ah claro, ballet. Como é que não me lembrei disso. Logo tu que tens uma predilecção por danças.
-Estás a ver como tu me conheces?! O que era de mim sem ti?
-Bem talvez sem mim a tua t-shirt ainda estivesse seca.
-És convencida sabias?
-É assim que tratas quem te faz suar?
Ele riu-se do que ela acabara de dizer. Interpreta a palavra suar da forma mais lasciva possível. Apesar do seu subconsciente ser tudo menos libidinoso o carácter menos sério na conversa ajuda-o a serenar.
-Pois sim, suava minha querida. Nem sabes tu quanto.
-Claro que sei, suavas como um trolha ao sol. Tipo cantoneiro enquanto limpa as bordas da estrada.
-É bom saber que me vês como um trolha, de cerveja na mão. Já agora nesse teu edílico mundo eu também mando as típicas bocas?
-Não, no meu mundo tu és um mudo surdo que sua por todos os lados.
-Ah. Sempre tão querida. Se não fosse homossexual dava-te um beijo.
-Tu só não me dás um beijo porque eu te faço suar.
Ele estremesse por dentro, mas oculta o terror que sente com um riso enganador e mais uma saída insólita.
-Sabes muito bem que só suo porque o teu pai tem um talho e imagino-te constantemente de cutelo na mão a dizer quer lombo ou costeleta?
Ela ri-se compulsivamente, os olhos brilham e o sorriso espelha a alegria com um misto de desconcerto.
-Pois tinha-me esquecido das minhas origens. Estou a ver que nem o facto de estar a finalizar o curso de advocacia te faz esquecer a minha infância de carniceira.
-Nunca me vou esquecer dessa tua faceta. Não imaginas como és sexy de toucinho na mão.
Ela ri-se de novo. Ele finge ter falado sério. O frio, o nervo miudinho e o tremer generalizado tinha acabado por se dissipar por entre cada frase parva que tivera pronunciado até então.
Toca a campainha a aula chama-se ciências sociais.
Ela levanta-se deixando que os seus olhos se arrastem num movimento vagaroso. Ele permanece impávido imaginando esta despedida breve em forma de ósculo estrelar...