2008/01/05

Já te disse?

Às vezes o anoitecer visita-nos mais cedo. O dia cai com o seu calmo e terno passo de gigante. Costumas contemplá-lo com alegria nos olhos, nota-se em ti um respirar denso, o ar quente que te sai pela boca mistura-se rebeldemente com o frio que se sente cá fora. O dia não está realmente a condizer com o teu sorriso, na verdade é exactamente o oposto. Mas em boa verdade é melhor assim, acabas por dar uma alegria mágica ao dia que acaba agora mesmo de desaparecer sob os passos decididos que o sol insiste em percorrer ciclicamente. Estás, és, realmente resplandecente. Tens os olhos do verão, quentes como o sol arenoso numa tarde de esplanada. As tuas mãos são ridiculamente simples. Unhas lavadas, despidas de cor, o único brilho que se consegue ver é o reflexo da saúde que dispara luz em todas as direcções. Tens um corpo esguio, muito caracteristico. Dá a impressão que foste resultado de escultor, talhada com mil cuidados. Sorris de um modo delicado sem nunca dar o braço a torcer, parece um riso resignado, que saiu contra a vontade, mas não há dúvida que é teu, é igualmente brilhante e consegue aquecer a temperatura mais fria sem nunca aquecer demasiado. Às vezes mergulhas em estranhos momentos de reflexão. Olhas de uma maneira vaga enquanto mexes os cabelos pretos e que também gozam de uma saúde inacreditável. Às vezes sabes a super bock. Sais com uma piada mais triste, tipica de menina de coro, mas rapidamente te corriges. Acabas sempre por vencer com alguma parvoíce sincera e estupidamente engraçada. És divertida. Tens rasgos de irritação, momentos raros que surgem como a distracção. Nunca consegues esconder a bondade natural que trazes no coração, viajas pelos mundos do diferente, és tão normal que me causa arrepios. Nunca chegas a ser vulgar, tirando claro quando dás asas ao teu estranho sentido de humor. És parva como eu sou, como todos somos. És mágica, tiras o coelho e nunca chegas a mostrar verdedeiramente a cartola. Voas com asas de papagaio, hesitante, desconfiada, e nunca sabes se estás acordada ou na iminência de um acordar repentino. Já te disse que és parva? És vaidosa, é um facto. Mas quem é que não tem um pouco de brio? Amor próprio é importante e tu costumas vender. Prostituis uma alegria habitual e rotineira, felicidade companheira que me da vontade de rir. És um mar imenso de vida, que remenda a roupa esfarrapada que muitos insistem em vestir. Já te disse que gostava de te despir? És o óbvio que vence a virtude do complicado. Às vezes perco-me irremediavel e repetidamente nos teus movimentos capilares, parecem ditar o ritmo e direcção do vento. São decididos e harmoniosos, únicos como tu, como todos nós. Já te disse que cativas? Costumas caminhar equilibrada e relaxadamente. Se fosse um assaltante manco eras a vítima perfeita. Às vezes és odiosa. És horrível, não dizes palavrões. Fazes-me sentir ordinário. Cada vez que acabo uma frase num típico “alho” do norte. Quanto aos palavrões tu dizes que não há nada a fazer... Já te disse que também hás-de aprender? Gosto de te ver dançar ao som inaudível do iPod. Ritmas o corpo com uma frequência muda e encostas a cabeça ligeiramente ao ombro. Pareces querer sentir a música. És volátil e violeta. O fotão que ultrapassa o som. O permanente que viaja pelo contínuo. Às vezes és chata. Fazes perguntas que aborrecem, ages propositadamente. És um hino ao desconcerto, a mão amiga que ajuda a levantar o senhor travessuras. Às vezes fixo o olhar na linha que te divide os peitos. Tu reparas e fazes de conta. Quando mudas de posição caio em mim. Já te disse que o faço imensas vezes? Não é por mal, acontece-me quando estou a pensar. Não sei se é o carácter maternal e afectuoso associado ao leite materno que convida à reflexão se o mero acaso. Eu acredito mais na primeira. Acho que ris quando viras costas. A cor verde dos teus olhos faz-me voar pelos mundos igualmente claros e transparentes da imaginação. A realidade funde-se com o desconhecido do imaginário, e eu dispo a vida que tenho e tomo o leme dum navio pirata, sinto a força do vento que trás até mim o sabor aveludado dos teus labios, a textura tenaz da tua pele e o cheiro agridoce que renasce a cada movimento que fazes. O dia contigo nunca passa devagar. Eu nunca consigo tomar noção das horas que perco contigo. Tu dirias, ai que mentiroso. Já te disse que tens sempre razão?