2008/02/11

Passeio de domingo

Ela costuma olha para o tom tom de uma maneira um bocado aparvalhada. Fixa o pequeno monitor e parece tentar antecipar as viragens do boneco. Não faria mais sentido ela olhar para mim? Afinal de contas sou eu quem vai a conduzir. Às vezes rio-me do olhar parvo dela. Quase sempre sabe que a estou a observar. Faz de conta, espera pacientemente que eu desista de olhar para ela. A maior parte das vezes consegue. Mas quando desiste da pose despercebida fica com um sorriso estúpido. Aquela alegria de puto a quem roubaram o carrinho de brincar (se calhar deveria comparar com a barbie e ken). Os passeiso de domingo são incrivelmente originais. O carro é conduzido à vez e a missão consiste em surpreender o outro. Confesso que a maior parte das vezes me surpreendo a mim mesmo. O poder da aleatoriedade é verdadeiramente fascinante. Acabamos sempre por descobrir cenários novos. De todo o tipo. Cenários edílicos, pinturas de pobreza extrema, áreas de pura luxúria, o extremo do banal, enfim é tudo diferente. As coisas são sempre diferentes. Se passarmos cem vezes pela mesma rua iremos ver cem novos pormenores. O verdadeiro segredo consiste em andar desperto. É importante mantermos uma filosofia relaxada. Os nossos passeios de domingo são os nossos momentos Zen. Não quero com isto dizer que passemos este dia numa pasmaceira constante. Muito pelo contrário. A maior parte das vezes gozamos com a cara um do outro. A brincadeira só para quando um de nós se lembra de usar a lei da força para acalmar os ânimos. As conversas parecem não ter fim. O culminar de um assunto acaba sempre por criar dez novos temas de conversa. Há quem diga que isto é a definição de alma gémea. Eu discordo. O conceito gémeo é estupidamente redutor. O verdadeiro interesse está na diferença, A heterogeneidade que nos complementa, alimenta e deixa felizes. Quando penso nos nossos pontos em comum não vejo nada que se destaque, nada suficientemente notório que me faça dizer, realmente esta gaja é exactamente como eu. Ainda bem que é assim. Tenho tanto para descobrir (defeitos principalmente). Isso deixa-me feliz. É bom saber que o acordar de amanhã será diferente do deitar de hoje. A nossa vida é uma viagem, passeio este que se torna muito mais colorido quando acompanhado por pessoas vivas e radiantes. Onde ia eu? Ah sim o passeio de Domingo. Não é que a gente passe a semana inteira à espera do Domingo (isto seria muito triste) mas este dia é diferente. Não sei se por termos o tempo inteiramente ao nosso dispor, se pela tranquilidade generalizada tipica de fim de semana, se por um outro motivo qualquer mas a verdade é que é diferente. Muito diferente. Hoje é um dia diferente, é quarta feira. Mas para nós foi um autêntico dia de Domingo. Ela não teve aulas e o meu chefe deu-me o dia para tratar da queda que tive ontem. Passei o dia dentro de casa, alternando sofá com mesa de almoço. Ela foi à piscina de manhã. Eu limitei-me a ver a chuva cair. Na televisão passava algo puramente desinteressante, eu olhava para a o ecrãn fixando a mente no movimento dos pássaros. Acordo e dou de caras com o Claudio Ramos acompanhado das suas estúpidas verborreias. Apago a televisão. Levanto-me com algum custo e dirijo-me à janela que lacrimeja finas tiras de água. O dia é feio e escuro, na escuridão eu vejo o sol e na intrínseca cor brutesca eu imagino as braçadas que dás na piscina. Pelas horas deves estar mesmo para acabar o treino. O que eu dava para estar dentro de água. Em vez disso puxo pela imaginação. Desligo os sentidos e fixo a minha atenção unicamente no monótono som da chuva. A porta abre-se e tu apareces com os cabelos molhados, as maçãs do rosto com um vermelho vivo e um sorriso radiante. Eu olho meio que envergonhado e mostro o petisco que tivera preparado. A comida estava um ranço, esqueço-me sempre do sal. Felizmente a tua fome era maior que a minha falta de jeito para a cozinha. A refeição foi um suceder de caretas com risos compulsivos. Às três da tarde estavamos os dois a lanchar, na verdade este foi o verdadeiro almoço. Desta vez não houve caretas, só risos parvos....

Regresso à infância