2007/08/30

Sopro de Maresia


A vontade de sair não era muita, confesso. Estava num daqueles dias em que o marasmo parecia tudo fazer por ser ele a determinar os meus passos. Se a vontade de sair era pouca, a de obedecer à inércia era ainda mais pequena. Se tenho alguma certeza é a de que parado não vou a lado nenhum, a não ser, numa hipótese muito remota, que a empregada do gás me apareça em casa com uma vasilha e insista em ser ela a colocar a botija no devido lugar, curvando-se naturalmente sobre o fogão. Tirando estas hipóteses obviamente utópicas, era certo que ficar enclausurado entre quatro paredes fastidiosas não prometia garantir um fim de dia interessante. Saí com a bicicleta sobre o ombro, trazia comigo um sorriso idiota, provavelmente devido ao facto de me imaginar a dar uma preciosa ajuda à menina do gás. Acedi o pátio do prédio e saltei rápido para cima do selim, pedalei nos momentos iniciais com toda a força que tinha. Gosto de me sentir vivo, gosto de sentir os músculos trabalhar, sentir a mecânica dos pequenos discos dentados que se entrelaçam na corrente e fazem mover monocordicamente a roda, num movimento relaxante. Após alguns minutos o batimento cardíaco lá se adaptou à respiração e dei por mim a apreciar o sussurrar do vento, ouvi o zumbido do pneu no asfalto que me acalmou, como se me tentasse adormecer. Em vão, a cada pedalada que fiz aproximei a mão da brisa sobre todo o meu corpo e foi-me devolvido um novo despertar, lembrei imediatamente que estava ali por alguma razão. Tive de andar para a frente, sempre o mais rápido possível, é nas subidas que sentimos a voz da gravidade a dizer não, sabia que não podia desistir, abrandar só me atrasava a chegada ao destino e eu dirigia-me para o mar. Percorri o leito da estrada e serpenteei sobre os obstáculos. A subida acabou por ser ultrapassada, é sempre a mesma sensação, senti a pressão arterial a descer, as pernas mantiveram o movimento, a tentação de acelerar para ganhar velocidade na descida é grande mas eu não podia perder a oportunidade de esticar as costas e abraçar a vida de braços abertos, semicerrando os olhos ao mesmo tempo que esboçava um sorriso de alívio. Sabia que breve iria parar, já não restavam muitos metros a percorrer, talvez uns 600. Não gosto de parar bruscamente, era hora de abrandar o coração, nesta altura lembro sempre o desacelerar dos comboios, passado alguns segundos deixei a força do atrito servir de travão. Acabei de chegar. Senti, como sempre, o coração a falar comigo, agradeceu-me por o ter levado a passear pelo mundo da novidade. O passeio, no entanto, não terminou com o desmontar a bicicleta. Tinha mais um surpresa preparada, não pelo facto dele fazer anos, somente porque sim, dei por mim a caminhar sobre a areia do mar, levei o veículo à mão arrastando as rodas vagarosamente sobre a areia que se moldou propositadamente para nos dificultar o movimento, o coração bateu de alegria. Já não faltavam muitos metros para pousar a bicicleta. Cheguei. Tirei a mochila que trazia com água, tirei as sapatilhas, t-shirt, fechei os olhos e tentei engolir todo o ar húmido que me circundava. O bater de alegria foi, progressivamente, dando lugar a um sono pesado. O meu coração adormeceu, eu mergulhei em mim e beijei o rebentar das águas com os pés, o irrequieto músculo cardíaco deu novamente sinais de vida, a temperatura teimava em acorda-lo, no entanto, o sono era cada vez maior. Caminhei um pouco mais em direcção ao mar e acabei, passado algum tempo, por mergulhar nas águas turvas, acordei definitivamente para a vida num banho de emoções, lavando a mente e corpo num refresco de sensações e adormeci a alma sobre o borbulhar da água salgada.