As palavras são como que um mar pelo qual percorremos a vida. Numa interjeição definimos um rumo, viramos o leme em direcção a um diferente propósito. Gosto de me perder em passeios por este mundo indiscritível das palavras. Na verdade gosto de todas as palavras. A única condição que lhes imponho é uma marca de autênticidade. Gosto de palavrões, da sua natureza agressiva, aprecio de um modo estranhamente interessado o acervo interminavel de palavras odiosas que existem. O calão é como que um murro na mesa, uma maneira primitiva e fácil de evasão ao mundo da argumentação. Esta é pelo menos a primeira impressão, ou aquela que é interpretada pela maioria. Eu gosto de olhar para os palavrões como piratas no oceano da língua. Os palavrões são uns fora da lei, não tem identidade, não aparecem no dicionário o registo civil da língua. Os palavrões assaltam constantemente os vocábulos legítimos. São polimorfos, servem para qualquer propósito. Aparecem em horas de aflição, em tempo de alegria, em momentos fantástica excitação. Os palavrões são na verdade excumungados, deserdados no reino da palavra. As culturas e os bons rituais de boa educação insistem no genocídio geral destes resistentes seres. São vistos como malfeitores, ímpios, vilões e desgraçados. Mas é inegável o seu valor, a pungente natureza da sua essência. Quem é que nunca gritou bem alto foda-se lá esta merda... é mandar tudo pro caralho. Existe maneira melhor que esta para partilhar um sentimento tão natural como o misto de revolta com impotência? Para mim fazem todo o sentido e é um modo poetico no realismo da frio da vida. Não gosto de novelas, nem da língua que lá se pratica. É suja, ilegitima, prostituida e barata. O sentido das palavras perde-se e a leviandade presente consequência dos assuntos vazios remete a palavra, o seu significado e tudo o que esta tem de melhor para segundo plano, para um plano invisível. Gosto de sentir o encarnado sangue detrás de um vivido puta que pariu. É tão agressivo que se torna encantador. Sinto uma enorme atracção pelos eternos galãs do calão. Aqueles possuidores de um charme transcendente. Armas nucleares no mundo da semântica. A magia enfeitiçada oculta no foda-se é completamente arrebatadora. Quem nunca se dirigiu a uma bela moçoila de feições aprumadas, sentindo a fogosidade, violência hormonal dos vinte anos, com um inebriante que grande foda... É incrível como se repudiam este tipo de expressões, tão vivas tão certeiras, honestas, verdadeiras. É assustador o divórcio existente entre o que nos vai na alma e as palalavras que invocamos para dar vida a esses mundos. A tinta com que pintamos as nossas emoções tem muito mais vida quando talhadas sob mantos de caralhos, a tez da tela é mil vezes mais macia quando revestida por eternas putas desnudas reflectoras de tons violeta provocante. Quem não se revê no mundo do calão? Neste palco da vida onde cada um de nós actua o desenho do sórdido, imundo, indecente, vergonhoso é constantemente vilipendiado, por palavras educadas, detentoras de uma legitimidade hipócrita, roubando o emprego ao retrato do filhos da puta. Num suspiro efémero, vindo de um respirar profundo, transitório e provocante eu chamo daqui o navio do fantástico e aproveito para vos deixar com um autêntico,
ide pro caralho bois da merda, ide trabalhar que isto aqui não se aprende nada...